Igor, o brincalhão

Igor*, o brincalhão.

Brincamos de mudo.

No primeiro dia, Igor nos imitou. Ficamos em silêncio, olhando todo mundo. Encarávamos os transeuntes que nos encaravam.

No segundo dia, meu silêncio tocou Gigi. Marina foi intérprete desse encontro de silêncio.

Igor ficava ao lado, fazia sinal de que ela era doida. Nesse dia estava com sono. Imitei sua cara de sono. Ele riu e foi só.

No terceiro dia, ele veio atrás de mim, procurou o meu silêncio. Nós ficamos lá olhando para aquele bocado de gente.  Passamos pelos vários mundos daquela estreita rua.

Começamos a montar casas com as peças de dominó. Ele derrubava as minhas e eu derrubava as dele.

Jogamos as peças um para o outro.

Cansou.

Ele disse: “Eu quero colorir também”. Mas aí já não era comigo. Fiquei por ali.

Coloriu o desenho, perguntou como estava.

Disseram: Tá ótimo!
De repente, sem mais nem menos, Igor mudou de voz, fez uma voz grossa, falou que era malvado, que tinha gostado de mim, que queria meu sangue… Enquanto falava, babava.
Ele dizia que babava porque era um monstro malvado….”ó como eu sou mal!” E ria, ria muito. Por um momento tive a impressão de que ele estava “na brisa do tinner”.
Depois pensei… será que o brincar entorpecido atrapalha realmente alguma coisa?

Ele perguntava se eu estava com medo… bom, quem tá na chuva, se molha.

Continuei muda, fingi medo…  ele dizia que ia me pegar, pegar o meu sangue… chegava perto de mim, olhava fundo nos meus olhos, imitava um bicho.

Teve uma hora que foi até morder a perna do Hugo. Mas só fez de conta, não mordeu de verdade. Parece que queria atenção do Hugo. 

Tinham uns meninos mais velhos do lado. Perguntavam se ele estava mesmo me assustando….  Encararam Igor…

– “Tá assustando a tia”?

–  Não, não estava.

Igor me olhou feio. Disse: Eu mando em você! Não era pra você começar a falar! Só eu falo aqui, porque eu sou mal, muito mal….

Parou de brincar…

Perguntei porque parou.

Ele perguntou se eu acreditei…  

– Você quer que eu acredite que você é mal?

– Eu não sou mal, é que sou muito brincalhão.

Pegou o tiner e foi pra outro mundo daquela estreita rua.

Mas… não era a rua que era estreita…

Texto de Raonna Martins.

*O verdadeiro nome foi substituido para preservar a identidade da criança.

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