Três Olhares

Três Olhares

– Mas cê tá há quanto tempo mesmo na rua?

Olhar desconfiado…franzi a testa.

– Um ano!

– E todo esse tempo sem falar com sua mãe?

Olhar de alfaiate…fita-me por inteiro.

– Não moro com ela! Moro com meu avô!

– Mas ele tem pelo menos alguma notícia sua? Sabe que cê tá vivo?

Olhar entristecido…cabisbaixa-se.

– Não…

– Tem saudades dele? De seu bairro? Amigos?

Olhar saudoso…balança a cabeça em sim.

– Bora fazer um passeio por lá sem sair daqui?

Olhar confuso…faz cara de "hã".

– Como assim?

– Chega aqui preu te mostrar uma luneta mágica!

Olhar de desbravador…sorri.

– Demorô!

 -Então simbora!

Google maps. Street view.  Mouse na mão.

 – Fala o nome da sua rua.

Olhar espantado…cola o corpo na tela do computador.

 – Que da hora! Deixa eu te mostrar minha quebrada!

Passeio gostoso. Mostra a casa do avô, a escola, casa dos amigos, da namoradinha, onde empinava pipa, por onde andava de bicicleta. Reconhece as pessoas, o tio da venda, o bêbado do bar, os amigos na esquina…

Repentinamente silencia…mexe no mouse com mais cautela…passo a passo, percorre as rua mais devagar…olho-o de canto, percebo que algo aconteceu mas, em silêncio, me permito  acompanhá-lo nessa jornada virtual. Num prédio de esquina pára. Vira-se para mim…

Olhar mareado…respiração ofegante.

– Minha mãe mora aí…

Sinto uma leve vertigem… me recomponho.

– Em que andar?

Move a imagem para cima e escapa-lhe um grito.

– É a minha mãe!!!

E lá realmente estava uma mulher estática, encostada na janela, como quem está a ver o mundo passar. Ou quem sabe…a olhar alguém retornar.

A onda quebra, o antes mareado torna-se mar.

– Vamos lá comigo tio?

 

Lucas Carvalho, psicólogo.

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