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Quando Nilma Chega - História Projeto Quixote

  • qxt208
  • 1 de ago.
  • 2 min de leitura

O Quixote chegou até Nilma nas ruas de São Paulo, e Nilma chegou ao Projeto Quixote querendo olhar o mundo.

Chegou sem avisar, gritando alto — mais alto do que ela mesma. Suas palavras vinham afiadas, cortando o ar e os espaços, como se precisasse abrir caminho no grito. Foi assim que ela se apresentou, sem nome ainda, mas com presença que marcava: empurrava com o corpo e com a dor. Falava de ameaças, de medo e de força, tudo ao mesmo tempo.

 

Nos primeiros encontros, a urgência dela era tanta que mal cabia no tempo. Nilma chegava, explodia, e ia embora deixando um rastro — um sentimento difícil de nomear, que grudava na pele, que ficava. Aos poucos, porém, mesmo nos encontros curtos, ela foi nos descobrindo. Devagar, sempre "em breves", como quem pisa num chão que ainda está se fazendo.

 

Nilma trazia consigo uma história de silêncios gritados e afetos interrompidos. Muitas vezes, o corpo dela falava antes das palavras.

 

Fomos criando juntos esse lugar de troca. Os encontros ainda breves, mas cheios. Em cada olhar, uma pergunta. Em cada silêncio, uma entrega. Nilma aprendeu a marcar seus tempos, pedir para pensar, para falar, para simplesmente estar

 

Num desses dias, sentadas na grama, ela apontou uma árvore e disse que queria morar e construir uma casa lá.

 

Ela descrevia a casa — com janela só para ver a rua, sem ser vista. Uma casa só dela, com suas regras, seu tempo. Falamos das muitas casas: as reais, as possíveis, as do sonho. E, no meio disso tudo, ela falou de saudade. Pensativa, se desligando das vozes da rua que a chamavam para brincar.

 

Levantou e perguntou se podia conversar mais um pouco depois, pois precisava andar.

 

Ela se afastou das outras crianças e se escondeu atrás de um poste. Mais cinco minutos. Mais um intervalo. Até estar pronta de novo para brincar, pular, inventar histórias.

No Projeto Quixote, Nilma segue construindo sua casa.

Com janelas seguras, onde ela possa olhar o mundo — e ser olhada só quando quiser.

Cada encontro, mesmo breve, é parte da construção de algo mais forte: de uma relação, de um vínculo, de um lugar possível de pouso.

E Nilma segue, em seu tempo.

*imagem ilustrativa e nome alterado para proteger a identidade da criança

Inspirado no texto de Fernanda Sato, “Em breves”, p. 167, in Refugiados urbanos, São Paulo: Peirópolis, 2017. Saiba Mais sobre o livro clicando aqui.

 
 
 

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